John Knox

A Trombeta de Deus nas Terras da Escócia
Entre Castelos e Livros: Origens, Estudos e Primeiros Anos
John Knox nasceu em 1513 (ou possivelmente 1514), nas proximidades de Haddington, a leste de Edimburgo, na Escócia. Seu pai, William Knox, havia lutado na Batalha de Flodden (1513), e sua mãe, da família Sinclair, transmitiu ao filho a fibra típica das famílias escocesas de seu tempo. Embora de origens modestas, John jamais demonstrou vergonha de sua condição rústica, mesmo quando o destino o levou a conviver com nobres e príncipes.
Educado inicialmente no espírito humanista e nas tradições católicas, estudou em Glasgow e possivelmente também em St. Andrews, onde foi aluno do célebre John Major, um dos maiores acadêmicos de seu tempo. Knox dominava o latim e, mais tarde, estudaria também grego e hebraico. Seu gosto por Agostinho e Jerônimo moldaria sua teologia com os grandes temas da Escritura: graça, eleição, justificação, providência divina. Sua passagem favorita era João 17 — a oração sacerdotal de Jesus — que chamou de “a âncora da minha alma”.
Ordenado padre por volta de 1540, Knox não buscava o prestígio acadêmico de seus contemporâneos, mas já se dedicava ao ensino, atuando como tutor nas famílias nobres simpáticas à Reforma. Durante esses anos, mostrava sinais crescentes de inquietação espiritual.
A Conversão e o Cativeiro: Do Púlpito ao Porão das Galés
Em 1545, professou publicamente sua fé protestante, fruto da influência direta de George Wishart, um erudito reformado que seria martirizado no ano seguinte. Knox tornou-se seu seguidor e protetor — acompanhava-o armado com espada, como uma sombra. Quando Wishart foi preso e levado à execução, impediu Knox de acompanhá-lo, dizendo: “Um só basta para o sacrifício”.
O assassinato do Cardeal Beaton, arquiteto da morte de Wishart, levou à tomada do castelo de St. Andrews por reformadores armados. Knox uniu-se a eles e foi inesperadamente convocado para pregar ali. Seu sermão contra o pecado e a idolatria ecoou com tal autoridade que a congregação o aclamou pastor. Contudo, essa experiência durou pouco. Em 1547, forças francesas bombardearam o castelo e, após a rendição, Knox foi feito prisioneiro.
Acorrentado aos bancos das galés, remou por 19 meses no interior de navios franceses. Nessas condições brutais, manteve viva a esperança, recitando textos bíblicos e orando com os demais prisioneiros. Conta-se que, mesmo doente e fraco, uma vez apontou para terra e afirmou com convicção: “Ali voltarei a pregar o Evangelho!”. E assim seria.
O Fogo de Genebra: Inglaterra, Exílio e Formação Teológica
Solto em 1549, Knox encontrou abrigo na Inglaterra, onde serviu como capelão do rei protestante Eduardo VI. Participou das reformas litúrgicas que resultariam no Livro de Orações da Igreja Anglicana. Apesar de lhe oferecerem o bispado de Rochester, recusou-o, já prevendo o retorno do catolicismo com Maria Tudor. Com sua ascensão ao trono, Knox exilou-se, salvando-se do destino trágico de outros líderes reformados.
Viajou pelo continente, passando por Frankfurt e, principalmente, por Genebra, onde se aproximou de João Calvino. Em 1554, assumiu, com o consentimento de Calvino, a liderança da Igreja Inglesa em Frankfurt. Knox admirava profundamente a disciplina e a teologia calvinistas, mas era mais radical em seus posicionamentos, especialmente quanto à autoridade civil.
Foi também em Genebra que escreveu o controverso panfleto The First Blast of the Trumpet against the Monstrous Regiment of Women, criticando ferozmente o governo feminino como contrário à ordem divina — mirando especialmente Maria Tudor, Maria Stuart e, indiretamente, Elizabeth I. O escrito, embora teologicamente coerente com sua visão da soberania de Deus, custar-lhe-ia duramente: Elizabeth jamais o perdoaria.
De Volta à Escócia: Rebelião, Reforma e Consolidação
Em 1555, retornou à Escócia por breve período, preparando o terreno para a insurgência contra Roma e a França. Em 1559, voltou definitivamente, pregando com tanto fervor que seu sermão desencadeou tumultos e pilhagens de mosteiros. Ele atribuía as desordens à turba, não aos irmãos reformados, mas o fato é que seu ministério catalisava grandes comoções.
Tornou-se o principal articulador do movimento dos Lords of the Congregation, que se rebelaram contra a regente Maria de Guise. Foi ministro da St. Giles (Igreja Alta de Edimburgo), epicentro da Reforma escocesa. Em 1560, teve papel central na elaboração da Confissão de Fé Escocesa, na Liturgia da Ordem Comum e no Livro de Disciplina, documentos que estabeleceram as bases do presbiterianismo: culto na língua do povo, centralidade da Palavra, governo por presbíteros, educação pública e socorro aos necessitados.
Em 1561, confrontou pessoalmente a jovem rainha Maria Stuart, em entrevistas tensas e registradas apenas por ele. Embora firme, manteve respeito pessoal. Quando ela foi derrubada, Knox voltou ao púlpito com força renovada, pastoreando e influenciando os rumos da nação.
Críticos de Sua Época: Conflito com o Trono e Ruído na Multidão
Knox não era amado por todos. Mesmo dentro do movimento reformado, era considerado por alguns como duro demais, especialmente em suas posições políticas. Sua oposição implacável a governos femininos — baseada em interpretações literais da ordem bíblica — causou atrito até mesmo com simpatizantes protestantes. O próprio Calvino se distanciou de seu radicalismo neste ponto.
Elizabeth I, que poderia ter sido aliada natural da causa reformada na Escócia, rejeitou qualquer aproximação com Knox. Seus escritos panfletários, especialmente os ataques às monarquias femininas, fecharam portas diplomáticas e criaram embaraços políticos que limitaram sua influência além da Escócia.
Outros críticos, incluindo católicos e humanistas, viam-no como um profeta de voz trovejante, porém intolerante e combativo. Sua figura se tornou símbolo tanto de coragem quanto de intransigência. Knox nunca dissimulou. Seu contemporâneo afirmou no funeral: “Aqui jaz um homem que nunca adulou um príncipe, nem temeu a morte.”
Avaliação Crítica Atual: O Fundador do Presbiterianismo e o Homem de João 17
Hoje, a figura de John Knox continua polarizadora. Para uns, ele foi um reformador inflexível, cuja teologia se confundiu com política e cujo radicalismo beirou o fanatismo. Para outros, ele foi o verdadeiro fundador do presbiterianismo, um servo que não recuou diante de tiranos, nem suavizou a verdade diante dos poderosos.
Seu legado teológico é incontestável. A estrutura da Igreja Presbiteriana, sua liturgia centrada na Palavra, o modelo de liderança por presbíteros e a ênfase na educação popular devem muito à obra de Knox. Sua obra History of the Reformation in Scotland permanece uma das fontes mais vivas e detalhadas da época.
Menos sombrio do que o retrato comum sugere, Knox amava sua nação, chorava nos cultos, orava com paixão e nutria ternura doméstica. Sua esposa leu para ele João 17 até seus últimos suspiros. Essa passagem, sua favorita, resume sua vida: oração, eleição, perseguição e glória vindoura. Knox morreu em Edimburgo, em 24 de novembro de 1572. Sua voz silenciou, mas sua trombeta continua a ecoar.
A Trombeta Não Toca em Vão
John Knox foi uma dessas almas forjadas no fogo da adversidade e lapidadas pela Palavra. Viveu entre tronos e masmorras, entre púlpitos e campos de batalha, entre esperança e resistência. Para a Escócia, ele foi mais que um reformador: foi uma voz — ora trovejante, ora quebrada — que chamou o povo de volta à Palavra de Deus.
Em tempos em que o Evangelho é amaciado para não ofender, Knox nos lembra que há horas em que a verdade deve ser proclamada com som de trombeta. Sua vida e sua obra desafiam o comodismo, a neutralidade e a omissão. Ainda hoje, quando se lê João 17, pode-se ouvir ao longe a voz do velho escocês sussurrando: “Aqui, neste capítulo, ancorei minha alma”.
Bibliografia
CALHOUN, David B. História dos Puritanos. São Paulo: Cultura Cristã, 2022.
DOUGLAS, J. D. (org.). Quem é Quem na Bíblia. São Paulo: Vida Nova, 2002.
GONZÁLEZ, Justo L. História do Pensamento Cristão – Volume 2. São Paulo: Edições Vida Nova, 2005.
HILL, Christopher. O Mundo de Ponta-Cabeça: Ideias Radicais durante a Revolução Inglesa. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
KNOX, John. The History of the Reformation in Scotland. Edinburgh: Banner of Truth Trust, 1982.
SPURGEON, Charles Haddon. Lectures to My Students. Grand Rapids: Zondervan, 1954.
do que john knox morreu?
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